– São traumas extremamente graves. Eu fiquei estarrecido com a forma que se conduziu. Essas pessoas buscam no poder judiciário, no Estado, um acolhimento, e o Estado acaba acentuando, tornando mais aguda essas dores de uma situação trágica – afirma o especialista.
Segundo o advogado, o primeiro erro ocorreu no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, que negou o aborto na 22ª semana de gestação, afirmando que só realizaria o aborto com uma autorização da Justiça. A vítima descobriu a gravidez com 22 semanas e dois dias. A legislação brasileira permite o procedimento em casos de estupro, sem mencionar limite de tempo:
– Não é uma discussão moral. Qualquer relação sexual com menor de 14 anos é configurado estupro, independente do consentimento ou violência. O Código Penal é muito claro em autorizar o aborto em casos de estupro, sem qualquer adicional, nem mesmo autorização judicial. A lei não fala em semanas limites – destaca Bruno Seligman de Menezes.O advogado e magistrado também destacou a atuação da juíza Joana Ribeiro Zimmer, titular da comarca de Tijucas, e do Ministério Público de SC como um capítulo desastroso na condução do caso:
– Quando eu ouço a juíza perguntar para uma criança de 11 anos de idade, se ela acha que o pai do bebê concordaria com o aborto, isso me causa uma repulsa, indignação, pois não se trata de um casal de adolescentes que engravidou acidentalmente, é um caso de estupro. A magistrada pergunta para a criança que estava prestes de completar o aniversário de 11 anos, se ela gostaria de ganhar um presente, quem sabe escolher o nome do bebê. Para uma criança que estava procurando o sistema judiciário para garantir o seu direito ao aborto. Nós temos na lei que crianças e adolescentes, principalmente vítimas de abuso sexual, precisam ser ouvidas por um profissional ou da Psicologia ou do Serviço Social, é o chamado depoimento especial. Aquilo que aconteceu é um desastre. A atuação da promotora foi tão deletéria quanto a da juíza. Ela se referiu a menina que não poderia se abortar o feto, mas sim deixá-lo nascer e deixar agonizando. Isso é uma chantagem emocional, afirma o especialista.
Leia também:
Maio Laranja: pelo fim da violência sexual contra crianças e adolescentes30% dos casos de abuso sexual no Husm são de crianças e adolescentesEm geral, o abusador de crianças e adolescentes está dentro de casa
Bruno Seligman, reforçou que o caso é reflexo de um problema ideológico moral, não partidário. Que os responsáveis pelo caso não estariam agindo como agentes de saúde e justiça, mas sim profissionais que estariam colocando na ponta de suas ações convicções morais sobre o aborto.
– Me parece que a juíza estava mais preocupada em fazer um lobby sobre a fila da adoção, do que o problema da menina. Falando não como advogado, mas como professor, precisamos refletir que tipo de profissionais estamos formando para que ocupem posições destacadas no sistema de Justiça. Precisamos ser preparados para lidar com os aspectos humanos, não apenas a exigência de acertos de questões e a jurisprudência, mas discute muito pouco Sociologia, Psicologia, Antropologia, que é aquilo que vamos trabalhar todos os dias. Saber como lidar com as pessoas que buscam o sistema judiciário diariamente, é urgente.Sobre a promoção da magistrada, o especialista afirmou que é complexo julgar a carreira da juíza, devido a divulgação do caso:
– Nós precisamos lidar com o que a lei oferece. O máximo que pode acontecer com o juiz é uma aposentadoria compulsória, transferência. Precisamos entender isso. Eu realmente acredito que a promoção deva ter ocorrido antes da divulgação da audiência. Não vou entrar no mérito da trajetória, porque pode ter sido de fato o único deslize da juíza.A entrevista na íntegra pode ser conferida no programa “F5” na página do Facebook do Diário.
Entenda o Caso
No mês de maio a menina de 11 anos que, grávida após ser vítima de estupro, teve o procedimento para interromper a gestação negado. O hospital informou que só realizaria o aborto com uma autorização judicial. Por decisão judicial, a criança estava sendo mantida em um abrigo de Santa Catarina para evitar que fizesse um aborto não autorizado. Na última terça-feira (21 de junho), a menina foi liberada pela Justiça para voltar à casa da mãe. A juíza Joana Ribeiro Zimmer deixou o caso, após receber promoção ‘por merecimento’ para a cidade de Brusque. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que está apurando a conduta da juíza.
Uma nova decisão autorizou a menina a realizar o aborto, porém a advogada da vítima ainda não se pronunciou sobre esta decisão.
Leia todas as notícias